Texto determina ressarcimento de gastos aos contribuintes. O projeto de lei (PL) que devolve o voto de qualidade ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) desempate por um representante da Fazenda promove duas alterações importantes sobre as garantias apresentadas pelos contribuintes, na Justiça, para cobrir o pagamento de tributos em caso de derrota. Ambas são contrárias aos interesses da União e favorecem o contribuinte. Essas duas garantias foram apresentadas pelos contribuintes, com a intenção de cobrir o pagamento de tributos se houver derrota.
Vale destacar que o PL nº 2.384/2023 veda a liquidação antecipada da garantia, antes do fim do litígio, uma prática que a União adota atualmente. Com essa prática, o governo é obrigado a aguardar o trânsito em julgado do processo, quando este não cabe mais recurso. Com relação a antecipação, ela é questionada pelos contribuintes no Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, sem sucesso até o momento. Um outro ponto estabelece que a União deverá ressarcir, com atualização monetária, os gastos com manutenção de garantias e contratação.
Vale ressaltar que, hoje, esses valores não são pagos, nem para quem busca a Justiça para fazer essa cobrança, predominando, assim, decisões contrárias aos contribuintes. O deputado e relator do projeto na Câmara dos Deputados, Beto Pereira, incluiu essas mudanças no PL. Para ele, é injusto que a União “se aproprie” do dinheiro antes do trânsito em julgado, uma vez que a decisão pode mudar, bem como não compensar o contribuinte dos gastos vindos da cobrança irregular do tributo.
“Depois de dez anos, você ganha a ação na totalidade, fica provado que não tinha culpa nenhuma. Mas teve despesa com advogado e com a manutenção da fiança, gasta quase 50% do valor da causa com isso. Como que não é certo a União te ressarcir disso?”, questiona Pereira. O deputado e relator também acrescenta que o ressarcimento foi discutido com o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, o qual concordou que a prática atual é injusta. “A União pode ter prejuízo com isso? Pode, mas então ela que cobre certo ou que não exija garantia.”
Nas disputas tributárias, de maneira geral, dispensa-se a garantia apenas se a liminar suspender a cobrança durante a discussão. De acordo com a Lei de Execuções Fiscais (nº 6.830, de 1980) é previsto a garantia em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. Pelo PL, a alteração legal trazida e a judicialização não afetam a garantia em dinheiro, de acordo com o sócio da área tributária do Viseu Advogados, Guilherme Manier.
Manier explica isso dizendo porque nesse caso não existe custo atrelado, diferentemente da carta fiança e do seguro garantia. Ele ainda acrescenta que, esses títulos trazem segurança ao credor, mas isso custa. “O seguro normalmente é mais barato para o devedor e a fiança bancária é mais cara”, afirma. O sócio estima que o seguro garantia para uma empresa que tem alto nível de liquidez cobra taxas entre 1% e 1,5% do valor total da execução fiscal atualizada. Dessa forma, a carta fiança fica entre 2,5% a 3%. “Os valores pagos são perdidos. As empresas judicializam para ter a despesa restituída.”
Por esse motivo, por mais que mudar a legislação e trazer pontos que podem ser desfavoráveis à União, o PL foi aprovado com apoio do governo na Câmara dos Deputados, devendo ser aprovado nesta quarta-feira (30) pelo Senado Federal. Vale destacar que, nessa aprovação, não haverão alterações, para que siga direto à sanção presidencial, apesar disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode vetar trechos. Os Contribuintes judicializam o assunto já que a liquidação antecipada das garantias oferece à Fazenda um acesso ágil aos valores de cobranças fiscais.
Segundo advogados, com a medida, o montante em debate tem que ser depositado em uma conta judicial e, conforme a Lei nº 9703, de 1998, pode ser usado pela União. Assim, caso o resultado for posteriormente favorável ao contribuinte, a devolução terá de ser feita dentro de 48 horas. Os ministros, no Superior, entendem que o seguro garantia pode ser liquidado antes do fim do processo, em trânsito em julgado, ainda estando pendentes os embargos à execução fiscal.
Mesmo com decisões favoráveis no STJ, a Fazenda Nacional ainda não consegue emplacar o tema em todos os tribunais regionais federais (TRFs). Vale frisar que algumas Cortes consideram que o seguro garantia apresenta o mesmo status de fiança bancária e, por esse motivo, a liquidação só poderia ser requisitada depois do trânsito em julgado dos embargos à execução. Enquanto isso, com relação ao ressarcimento dos custos com garantias apresentadas em execuções fiscais, hoje, a maioria dos tribunais se diz contrária, segundo levantamento realizado pelo escritório Viseu Advogados.
“Temos visto algumas decisões esparsas favoráveis, mas ainda não há decisão uníssona nos tribunais superiores. No STJ, decisões monocráticas têm sido desfavoráveis”, afirma Guilherme Manier. Segundo ele, o STJ não sinaliza para vitória do contribuinte, mas como não foi decidida em repetitivo ainda pode haver alguma alteração. Os processos mostram que o TRF-4 e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconhecem o ressarcimento, no entanto o TRF-3 e o STJ entendem que é desfavorável ao contribuinte, sendo que no tribunal superior predominam decisões monocráticas.
Com relação às demais Cortes, elas também tendem a seguir essa posição do TRF-3 e STJ, apesar de ainda haver poucos julgados. Segundo a sócia do Machado Associados, Maria Andréia dos Santos, se considerar que o custo de uma fiança bancária gira de 2% a 5% do valor garantido, em um processo judicial com prazo de dez anos, sem depender de ganhar ou perder, o contribuinte terá um custo no período que se aproxima de 20% do valor do débito.
Por outro lado, se o custo da fiança for da ordem de 5% anualmente, esse custo pode chegar a 50% do valor do débito. “Se o contribuinte não for ressarcido pela Fazenda Nacional, pode-se chegar ao cenário pouco razoável de ele obter uma decisão judicial favorável e ter que pagar parcela relevante da dívida a título de custos de garantia para se defender da cobrança”, diz. Como afirma o advogado Rodrigo Gabriel Alarcon, o levantamento da garantia antes do trânsito em julgado, ainda pode ser julgado como processo repetitivo no STJ, prevendo que, consta no PL, pode se tornar um argumento para quem já tem essa discussão.
Uma vez que se trata de uma norma processual, o advogado acrescenta, pode haver ainda a interpretação de que se aplica também para o passado. “Há uma equiparação de seguro ao dinheiro. Então não faz sentido tentar liquidar de forma antecipada uma garantia que já é líquida”, diz Alarcon. Ele ainda acrescenta que, a partir do momento que a garantia é liquidada de forma antecipada, o contribuinte tem um ônus, precisando fazer o depósito ou ressarcir o custo para a seguradora. “Desvirtua o seguro garantia.”
Publicado por: Lívia Macario
Fonte: Portal Contabeis com informações do Valor Econômico